O Advogado e a Litigância de má-fé

11\05\2009

CLITO FORNACIARI JÚNIOR

 

Há dificuldade em se separar, nos processos, a figura da parte daquela do advogado, por não se mostrar uma nítida linha divisória entre aquilo que existe no processo como ocorrência real e efetiva dos atos e comportamentos da parte e o que a ele foi incorporado mercê do trabalho, da criatividade, da sensibilidade e até da marotice do profissional. Nesse sentido, julgados e, mais ainda, manifestações das partes, ou melhor, do advogado das partes, não são justos na separação das funções e assim agem intencionalmente para externar a idéia de que o quanto existe nos autos é só fruto de criação do profissional: seria coisa montada, sem compromisso com a verdade e não decorrência do natural dos acontecimentos.
Nesse sentido, antiga decisão do TJSP (apelação cível n. 614-4/7, rel. FRANCIULLI NETTO, acórdão publicado em 04.11.1996) imputou ao advogado do autor a fabricação de documentos e até mesmo a criação da ação promovida, que teria sido “antecipadamente preparada”, tachando-a, então, “de uma aventura mirabolante”, dizendo expressamente que “a presente ação não passa de uma aventura mirabolante engendrada pelo I. advogado do autor, muito provavelmente seu parente, e daí o seu interesse em obter a todo curso, o que a lei não permite”.
Em função disso, reconheceu o acórdão “manifesta litigância de má-fé” e condenou “o autor e seu patrono” ao pagamento de multa de 20%, com base no § 2º, do art. 18, do CPC, reconhecendo existir entre eles solidariedade, para o que se valeu do art. 32, parágrafo único, da Lei n. 8.906/94, que trata da demanda temerária. Foi admitido, contra aquele acórdão, recurso especial, que adentrou no STJ, em 1997.
Em 12 de agosto de 2008, foi, finalmente, o especial julgado, sendo que, no que tange à condenação do autor como litigante de má-fé, essa foi mantida, havendo só o ajuste de seu valor ao § 2º, do art. 18, do CPC, que manda ter por base o valor da causa, que não fora adotado no acórdão de São Paulo.
Quanto ao tópico em que discute a responsabilidade do advogado, que foi também condenado pelo acórdão, deu-se a ele provimento para afastá-la. Lembrou o julgado, relatado por LUIS FELIPE SALOMÃO (4ª Turma – REsp 140578, julgado em 12.08.2008, Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, n. 57, p. 121), que o CPC também impõe deveres processuais aos advogados, mas prevê sanções somente às partes. Nessa linha, é de se ater ao fato de o art. 14 do CPC declinar, em seus incisos, deveres para as partes e para “todos aqueles que de qualquer forma participam do processo”, entre os quais estão também os advogados. Da mesma forma, o art. 15, cuidando do uso de expressões injuriosas, proíbe tal prática às partes e aos seus advogados.

Poderes da Assembleia dos socios em confronto com os do Conselho Deliberativo de Associação Esportiva. Bauru Atlético Clube.

4\05\2009

O Tribunal de Justiça de São Paulo, por decisão relatada pelo Des. VICENTINI BARROSO (apelação cível n. 514.609-4/7-00), confirmou decisão da Comarca de Bauru, que não vislumbrou nulidade ou vício na venda da sede social do Bauru Atlético Clube, exatamente onde Pelé se iniciou no futebol. A ação foi promovida por Arlindo Marques Figueiredo, que se afirma como único sócio proprietário do clube e que alegou uma suposta série de vícios na eleição, convocação e deliberação do Conselho Deliberativo, que seria, outrossim, incompetente para decidir sobre o assunto. Destacou a decisão que a venda da sede do clube não se confunde com a extinção do clube, matéria então que fica no âmbito do Conselho Deliberativo, nada tendo com a Assembleia dos sócios. Concluiu o julgado dizendo não ser dado ao Poder Judiciário se imiscuir em ato interno da associação requerida, o que se daria caso passasse a discutir sobre a conveniência da venda (http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=3565657)

A Hipoteca do Bem de Família

4\05\2009

CLITO FORNACIARI JÚNIOR

Com o advento da Lei n. 8.009, na qual se declarou impenhorável o imóvel residencial do devedor, deu-se a ele e a sua família uma proteção, que se desenhou ao legislador como indispensável para lhe garantir um mínimo de dignidade. Essa norma, de início, foi recebida com ressalvas, até porque originária de uma medida provisória (MP n. 143), que determinava sua aplicação imediata, inclusive a processos em andamento, portanto, conferindo-lhe efeito retroativo. No entanto, acabou, com o tempo, recebendo interpretação ampliativa. Imaginava-se, ao contrário disso, que fosse merecer, mesmo porque assim deveria ser, interpretação restritiva, dado que se apresenta como exceção à regra geral, que determina responda o devedor por suas dívidas com todos os seus bens presentes e futuros (art. 591 do CPC).
Dentro dessa linha, têm surgido questões que envolvem débitos de pessoas jurídicas e/ou imóveis escriturados em nome dessas, que, em princípio, estariam fora do âmbito de amparo da lei do bem de família, que assegura a pessoa física, logicamente.
Evidente que não se nega que a impenhorabilidade em tela pode ter como destinatária pessoa jurídica caracterizada como pequena empresa com conotação familiar (cf. REsp 470.893, rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ 02/08/2006 p. 246). Por serem “empresas que revelam diminutos empreendimentos familiares, onde seus integrantes são os próprios partícipes da atividade negocial, mitigam o princípio societas distat singulis” (REsp 621.399, rel. LUIZ FUX, DJ 20/02/2006 p. 207). Neste processo, com esteio na posição de LUIZ EDSON FACHIN (Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo, Renovar, 2001, p. 154), o STJ entendeu impenhorável imóvel pertencente à empresa e à família, no qual esta foi residir. 
O problema ganha outro contorno quando se está diante de empresas de maior porte, com maior complexidade e com sócios que se uniram somente pelo empreendimento em si e que, portanto, não demonstram qualquer vínculo suscetível de confundir a sociedade com suas famílias. 
O STJ tem enfrentado o assunto, em processos nos quais se realizam execuções hipotecárias que recaiam sobre imóvel dado em garantia, apesar de se cuidar da moradia da família do garantidor. Tratam os julgados da interpretação do inciso V, do art. 3º, da Lei n. 8.009, que, após prever como regra que “a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza”, ressalva algumas situações, entre as quais coloca, no inciso V, a “execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar”.
O inciso em questão não leva em consideração a origem da dívida, que não se permite seja paga com o bem de família, nem o credor dessa dívida. Diferente do que se dá com as exceções dos incisos I a IV, do art. 3º. Neles, à figura do credor se confere relevância, externando-se uma opção entre interesses que, em tese, estariam colocados no mesmo grau de importância. Assim, o bem de família deixa de ser protegido diante do crédito dos trabalhadores da residência, das contribuições previdenciárias desses, do credor do mútuo conferido à construção ou aquisição do imóvel protegido, do credor de alimentos e de impostos, taxas e contribuições que incidam sobre o imóvel familiar. O mesmo ainda se vê, em parte, no inciso VI, que não salvaguarda o bem na execução de sentença penal, que importa em indenização ou perdimento de bens. Nesses casos, a lei aferiu a proporção dos interesses e julgou mais justo proteger o credor que o devedor, mesmo se com isso ele perca o imóvel em que com sua família reside. Garante-se, dessa forma, proteção a um direito de igual ou maior relevância que aquele da moradia.
No caso da hipoteca, tal como, em certo sentido, no da fiança, a situação é outra. A exceção à impenhorabilidade decorre de se prestigiar o ato jurídico, a intenção do devedor, no sentido de outorgar em garantia o seu imóvel. Caso se lhe retirasse essa possibilidade, estaria sendo reduzido o seu poder sobre o imóvel, que delineia a propriedade e importa em se lhe permitir dela usar, gozar e dispor livremente, como prevê o art. 1.228 do CC. Por força disso, se faz possível conceder hipoteca, que, por sua vez, a Lei n. 8.009 tem como suficiente, por si só, para permitir que o imóvel, mesmo sendo bem de família, seja constrito em execução, com possibilidade, pois, de ser alienado em hasta pública.
Decisões do STJ, contudo, interpretam o inciso V, do art. 3º, da Lei n. 8.009, de modo a negar eficácia à hipoteca em si, nos casos em que recaia sobre bem de família do garantidor e com a qual se procura assegurar o cumprimento de dívida de pessoa jurídica.
Assim, passou aquela Corte a admitir ou não a penhora sobre o bem hipotecado, conforme o objetivo da garantia concedida. Restringiu-se, nesse sentido, a possibilidade de penhora apenas aos casos em que a dívida da pessoa jurídica garantida pela hipoteca tenha sido contraída a benefício da família do dono do imóvel. Mais do que isso: sustenta-se existir presunção de que a dívida não se prestou a essa finalidade, o que impõe a prova concreta de que houve o benefício (cf. AgRg no Ag 1067040, rel. NANCY ANDRIGHI, DJe 28/11/2008; REsp 303.129, rel. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, DJ 16/04/2007 p. 201; AgRg no Ag 711.179, rel. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ 29/05/2006 p. 235; REsp 302.186, rel. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ 21/02/2005 p. 182; REsp 302.281, rel. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ 22/03/2004 p. 310).
Cuida-se de mais uma interpretação ampliativa do bem de família, por conta de que esse haveria de proteger a família e não o direito de propriedade. Isso, no entanto, afeta a segurança dos negócios jurídicos, pois qualquer credor não terá certeza quanto à efetivação da garantia se dela, futuramente, vier a precisar.
Evidente que os outorgantes não poderão, em tese, sustentar sua ineficácia, pois estarão postulando contra fato próprio, o que não se permite. Mesmo assim, porém, o negócio fica sob risco, não só por esses poderem negar a liberdade na contratação, como também por seus filhos e demais moradores do imóvel terem direito à proteção, o que lhes confere a possibilidade de questioná-la.
Mais uma vez (cf., antes, noticiado no nosso Processo Civil: verso e reverso, Juarez de Oliveira, 2005, p. 207), é de se fazer o confronto entre teses dessa ordem, que dificultam a realização do direito material, e o desespero que se manifesta, em outras leis e em sua interpretação, quanto a se pregar, a qualquer custo, a agilidade para fazer efetiva a concretização do resultado do processo. O ponto de equilíbrio é de ser buscado e não pode prescindir de conferir seriedade e eficácia à manifestação das partes, ainda quando tenham sido feitas com segundas intenções.