Poder de Polícia

1\12\2008

CLITO FORNACIARI JÚNIOR

A possibilidade jurídica do pedido está colocada no CPC como condição da ação, de modo que representa um dos requisitos a ser implementado para que se obtenha pronunciamento jurisdicional de mérito. Há algum tempo, era a possibilidade entendida como a existência, em lei, de previsão para certos e determinados pedidos. Posteriormente, de modo correto, passou-se a entendê-la pelo prisma negativo, ou seja, vislumbrando-se a possibilidade sempre que o sistema, expressamente, não vedasse que algum conflito fosse trazido ao Judiciário.

Os doutrinadores sofreram rude golpe com a introdução do divórcio no Brasil e, ainda, com a permissão constitucional para que se demandasse sobre direitos suprimidos com base em atos institucionais. Assim, o exemplo que restou, como tábua de salvação, foi a proibição da cobrança de dívida de jogo, que representa não bem a impossibilidade do pedido, mas a impossibilidade da ação por conta da causa de pedir, pois a ação, no caso, é simples ação de cobrança, que proibida não é, passando a sê-lo tão só em razão de estar fundamentada em crédito obtido por vitória em jogo.

Essa colocação permite que se veja a impossibilidade jurídica do pedido, com maior largueza, deixando de se considerá-la somente no prisma estreito da vedação da formulação de determinados pedidos. Abrigo também nesse conceito possuem as pretensões deduzidas pela parte, que importem em constranger a demandada, se vencida for, a praticar ato que não poderia legitimamente praticar, pois, se o fizesse, acabaria cometendo ilegalidade. Não se confere, portanto, a possibilidade de propor ação, quando o resultado final pretendido em face do vencido não possa, legalmente, ser por ele atendido. Seria uma decorrência, no plano da teoria dos contratos, da exigência de que os negócios jurídicos tenham objeto lícito (art. 104, II, do CC), de modo que a ninguém seria dado intentar uma ação, objetivando compelir o réu a praticar um ato, cujo objeto seja ilícito, pois da mesma forma que não poderia gerar um negócio jurídico com esse elemento, com mais razão não o poderia obter valendo-se do mecanismo do Estado.

O Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu decisão que bem se amolda à figura em questão (apelação n. 502.136.4/5, rel. ENCINAS MANFRÉ, julgado em 05.03.08), condenando a administradora de um shopping center a impedir a venda, exposição à venda, manutenção em depósito e ocultação de produtos falsificados, sob pena de arcar com multa diária. O acórdão faz referência ao fato de a administradora não comercializar no local, mas atribui-lhe culpa in omittendo e in vigilando, acerca da atuação dos lojistas com produtos contrabandeados ou falsificados, porque seria omissa diante dos ilícitos, faltando aos deveres de fiscalização e de vigilância, exigíveis nessas circunstâncias.

O quanto se atribuiu à administradora, sem dúvida alguma, não poderia dela ser exigido somente porque por ela não poderia ser atendido. Impôs-se à administradora uma atuação ilegal, enquanto pessoa jurídica privada, na medida em que teria de policiar, vistoriando os espaços cedidos aos locatários, depósitos de mercadorias, e, ainda, restringir direitos desses cessionários, realizando apreensões ou coisas dessa ordem, sem possuir autoridade para tanto. Transferiu-se, portanto, à administradora o exercício do poder de polícia. Todavia, ela não possui os necessários e competentes meios coercitivos, sem os quais o poder é um nada jurídico. A administradora, tal qual todos os particulares, não possui instrumental e nem tem o poder, ou seja, a possibilidade de impor a rendição aos supostos contraventores.

Deu-se um dever sem lhe municiar com o poder, contrariando aquilo que é específico do ente público que tem o dever exatamente porque tem o poder. Tanto é que bem explicita HELY LOPES MEIRELLES, dizendo que: “o poder tem para o agente público o significado de dever para com a comunidade e para com os indivíduos, no sentido de que quem o detém está sempre na obrigação de exercitá-lo” (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 24ª edição, 1999, p. 90). A contrario sensu, destarte, quem não tem o poder, não tem e nem pode ter o dever. O exercício da obrigação que se lhe impôs é dos órgãos públicos de segurança, a quem compete coibir a prática de ilícitos dessa ordem.

Evidente que a administradora de centros comerciais tem responsabilidade de fiscalização do empreendimento, mas somente no seu conjunto, relativamente às áreas e coisas comuns, sendo natural que “este dever de vigiar o empreendimento como um todo não alcançará as lojas, no interior das quais reina já o seu locatário que exerce ali verdadeiro domínio.” (LADISLAU KARPAT, Shopping Centers – Manual Jurídico, São Paulo, Hemus, 1993, p. 141).

Só quem tem poder de polícia pode assim proceder, condicionando e restringindo, como diz HELY, o uso e gozo de bens, atividade e direitos individuais, pois somente o Estado possui poder de deter a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional (obra citada, p. 115). Nesse sentido, em um país que consagra que nenhuma lesão será subtraída à apreciação do Judiciário (art. 5o, XXXV, da CF) e que veda, considerando crime, o exercício das razões por mão própria, não se compraz se imponha a um dos contratantes, em uma relação jurídica, como é aquela entre a administradora e os cessionários de lojas de um shopping, realizar seus direitos pela própria força, pois ela não possui o poder de frenar a atividade dos particulares, de vez que isso é lá com a Administração Pública e somente com ela. Um ato desses praticado por um dos contratantes contra outro denota clara exteriorização de abuso, visto pelo art. 187 do CC como ilícito.

Interessante constatar-se que, no campo da contrafação, existe legislação que define que procedimentos voltados à apreensão de produtos contrafeitos só podem existir mediante determinação de juiz de direito, sendo cumpridas por oficial do juízo ou por autoridade alfandegária (Lei n. 9.279/96). Da mesma forma, o STJ isentou o mero fabricante de CDs ditos piratas de culpa, pelo fato de não ter conferido, música por música, o conteúdo da mídia que lhe foi encomendada, uma vez que esse controle não está entre suas atribuições (REsp 979.379, rel. NANCY ANDRIGHI, julgado em 21.08.08, DJU de 05.12.08). Ambas as situações implicam a não transferência de obrigação ao particular que não a pode atender.

Portanto, questões dessa qualidade, tentando criar obrigação para quem não a tem e que, se por ela for atendida, importa em ilícito, evidencia impossibilidade jurídica do pedido, não porque o sistema veda a ação em si, mas porque a exigência não poderia ser feita a quem não goza do poder de coerção próprio das autoridades, imprescindível para que possa desvencilhar-se de obrigação de fiscalização.

Execução – Desconsideração pessoa jurídica – Responsabilidade ex-sócio

1\12\2008

EXECUÇÃO TRABALHISTA – DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA – RESPONSABILIDADE DO EX-SÓCIO. O Tribunal Regional do Trabalho da 15a Região, em acórdão relatado pela Des. OLGA AIDA JOAQUIM GOMIERI, reconheceu que a responsabilidade do sócio que se retira da sociedade sobrevive por apenas dois anos, dado ser esse o prazo de prescrição da reclamação trabalhista e também o prazo de responsabilidade do cedente de quotas sociais, segundo o art. 1.003 do Código Civil (processo n. 01317-1995-023-15-00-5, publicado no DOE de 28.11.2008). Assim, com a desconsideração, são atingidos os bens dos sócios atuais e daqueles que da sociedade se despediram há menos de dois anos (http://www.trt15.jus.br/voto/patr/2008/078/07877808.doc).