Execução da tutela antecipada e astreintes

CLITO FORNACIARI JÚNIOR

Há algum tempo, o sistema processual vem privilegiando a multa cominatória (astreintes) como modo de persuadir o devedor ao cumprimento de sua obrigação. Originariamente, ela se colocava para as sentenças condenatórias a adimplir obrigação de fazer; posteriormente, foi trazida para, quanto a essa mesma obrigação, alcançar-se o atendimento da tutela antecipada; e, por fim, foi estendida, em iguais situações, para a exigência das obrigações de dar coisa (artigos 461 e 461-A). Julga-se ser essa cominação uma forma eficaz de vencer a obstinação do devedor, dado que sua resistência, se infundada, importará no agravamento de seus ônus, pois, além de acudir a obrigação, terá, em função da demora, que suportar o pagamento da quantia resultante da aplicação da multa sobre o tempo de retardo.
Quando a multa é estabelecida na sentença final, transitada essa em julgado, tem-se o título executivo, de modo que se faz possível exigir o cumprimento da obrigação e, posteriormente, considerando-se os dias de atraso, cobrar a multa daí resultante, promovendo a execução dessas verbas, conforme o rito previsto para o cumprimento da sentença. Nesse caso, já será definitiva a condenação ao atendimento da obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa, de modo que se fará possível também postular a implementação material da sanção, que é a multa que fora colocada como meio para que se conseguisse vencer a recalcitrância do devedor.
A questão tem, entretanto, outros contornos quando a fixação de multa diária dá-se objetivando compelir ao cumprimento de simples tutela antecipada, concedida, pois, antes da sentença final. Discutem-se, nesse passo, dois aspectos: a exigência do cumprimento da tutela antecipada; e diante de sua exigibilidade de imediato, sem o cumprimento pelo devedor, a cobrança da multa fixada. O problema que se põe nasce, basicamente, da circunstância de a tutela antecipada poder ser revogada ou modificada a qualquer tempo (§ 4º, do artigo 273, do CPC).
Apesar de existir quem discuta a possibilidade de execução imediata da tutela antecipada, em razão da falta de título que se amolde ao rol do CPC, caracteriza-se inegável paradoxo admitir-se sua concessão, mas, ao mesmo tempo e sem que seja conferido efeito suspensivo a recurso interposto contra decisão que a concedeu, desarmá-la de eficácia, por conta de deficiências formais, o que aconteceria caso se vedasse a sua pronta execução, ainda no curso do processo, antes, portanto, da sentença final e de seu trânsito em julgado.
Não há que se enfrentar o tema a partir da literalidade do rol dos títulos executivos, pois a deliberação que antecipa os efeitos da decisão – formalmente, simples interlocutória – tem a mesma natureza do provimento final do qual ela é mera antecipação. Igualmente, não é bom fundamento lembrar do risco de irreversibilidade do ato que será praticado, pois essa circunstância é de ser considerada antes da concessão da medida (§ 2º, do art. 273), de modo que, se existir tal risco, não será caso de deferir a tutela, não cabendo usá-lo como pretexto, quando se busca a efetivação da decisão.
Destarte, até mesmo para que se confira senso prático à concessão da tutela antecipada, a sua exigência há de ser de imediato, sempre que não houver recurso recebido no efeito suspensivo. Desse modo, cientificado pessoalmente o obrigado, caso não cumpra o preceito, passa a ficar sujeito ao pagamento da multa diária imposta com a finalidade de destravar sua resistência. Todavia, problema diverso é saber quando pode ser cobrada a multa que restará acumulada pelo retardo no cumprimento da obrigação firmada pela antecipação da tutela.
Nesse ponto, o entendimento não é tranquilo. Por simples amostragem, decisão da 12ª Câmara de Direito Privado do TJSP, relator CERQUEIRA LEITE (agravo de instrumento n. 7313035-1, julgado em 17.06.2009), nega a possibilidade de execução, tratada como provisória; enquanto acórdão da 34ª Câmara, relator GOMES VARJÃO (agravo de instrumento n. 1.258.902-0, julgado em 01.06.2009), afirma ser possível a realização da execução provisória.
Não impressiona o problema do título. Relevante é aferir-se o objetivo da antecipação da tutela e, mais do que isso, o que sua concessão confere ao autor. Nesse sentido, há de se ter presente que, ao se deferir a antecipação, está sendo dado ao autor, mesmo que em caráter provisório, o quanto ele pretende retirar do processo, ou seja, está se lhe dando, por antecipação, o próprio exercício do direito afirmado. A multa cominatória, por sua vez, não lhe é oferecida como bem da vida próprio, porém somente como instrumento, como meio coercitivo para que possa alcançar o bem da vida deferido, diminuindo a resistência do devedor.
Se a multa não é a tutela perseguida, nem lenitivo para o descumprimento da obrigação, nem indenização pelo quanto não se fez, sua cobrança, antes do trânsito em julgado da sentença, retira o foco do requerente de sua pretensão, evidenciando que a urgência que dizia ter talvez não fosse tão urgente, pois está inaugurando o desvio de rota, deixando à margem aquilo que veio postular. Assim, tal não se permite, podendo tomar-se de empréstimo o princípio da menor restrição possível, de que fala TEORI ZAVASCKI, a propósito da própria concessão (Tutela antecipada, Saraiva, 6ª edição, 2008, p. 78): há de se dar ao autor o mínimo indispensável, nada além disso. A execução da multa, além da própria tutela, traria ônus em demasia ao réu, antes que se tivesse o contraditório e a definitiva convicção do julgador.
As astreintes exercem função persuasiva, mesmo não se pagando de pronto seus valores. Saberá o devedor que, se não cumprir a antecipação, pagará a multa pela demora, o que é bastante para estimulá-lo ao cumprimento. Isso gera garantia para o processo, pois a antecipação é provisória e pode reverter, porém existem meios de se reporem as coisas diante da reversão. Todavia, nem sempre se terá certeza da possibilidade de recobrar os valores recebidos em execução das astreintes, daí o perigo de realizá-la, soando prudente lembrar para não a efetivar que “enquanto houver incertezas quanto à palavra final do Poder Judiciário sobre a obrigação principal, a própria antecipação poderá ser revogada, com ela, as astreintes” (CÂNDIDO DINAMARCO, Reforma da Reforma, Malheiros, 2002, apud Revista de Jurisprudência do TJRS, 271/138).
A execução da multa não é uma questão de conveniência. Trata-se de resguardar o processo e permanecer fiel ao objetivo da medida intentada, que era a satisfação do direito por antecipação e não o recebimento de um contrapeso, como substitutivo da obrigação principal.
Dessa forma, a execução da multa não tem lugar enquanto não se firmar a obrigação em definitivo e, ainda, o seu valor. Transitada em julgado a decisão, aí, então, opera-se regressivamente, apurando-se o tempo de demora no cumprimento da obrigação e, a partir daí, realiza-se a execução para pagamento de quantia certa.